quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ensaio

 Andava. Pra onde? Não sabia. Suas pernas a guiavam. Andava pela cidade que nunca a havia incomodado, tampouco agradado. Via, ouvia e sentia aquele mundo. Via os prédios, os mendigos, a poluição, uma tapeçaria negra e cinza. Ouvia as falas ancestrais, as críticas, as ofensas e as intrigas que alimentavam o mal humano. Sentia as monções humanas, formigueiro antrópico, ondas de náusea e calor que se avolumavam ao seu redor. E não se incomodava. E não pensava.
 E chegou. Ali, como um Eldorado verde oculto na selva de pedra e ferro. Uma fonte antiga, de águas esmeraldinas e uma estátua ao centro lembrando Hebe proibida de ceder seu líquido salvador às criaturas inferiores. Belos e bons bancos brancos figuravam ao redor do lago, todos esquecidos e desocupados pelo Tempo. Exceto um.
 Um cego. Com seu cão-guia alvíssimo, sem coleira. Coisas boas não precisam de nome para serem completas. Ela via-os. Talvez por instantes. Talvez por séculos. E eles levantaram-se e foram embora.
 E ela sentou-se no banco do Cego. Ficou ali. Instante? Sáculos? Não sabia. O importante é que agora via, ouvia e sentia. Via a sua cegueira branca. Ouvia sua surdez branca. Sentia a sua falta de tato branca.
 E um cão aproximou-se. E ele afagou suas mãos, seu nariz e seus olhos. E ela levantou-se com o cão, segura, comfiante, pensante. Nunca estivera tão certa, e tão bem acompanhada. Confortava-se com aquele cão e a sensação que sentira. Quais eram seus nomes? Não sabia. Coisas boas não precisam de nome para serem completas.

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