domingo, 2 de janeiro de 2011

Por quem os sinos dobram

 Adentrou no recinto. Recinto sagrado, sua simples existência concedia paz a quem existia. O sino, sobre a abóbada, acima de todos, angariava novos fiéis, instantes atrás mortais pecadores, mas agora religiosos perfeitos, para mais uma mostra pública de virtude.
 Compareceu, viu, ouviu e absorveu obedientemente os desígnios divinos milenares transmitidos através dos sacerdotes formados pela vontade humana. Ouviu os sinos novamente. Som símbolo da religiosidade.
 E acordou. Ou entrara em transe? Aquele som místico já usado em várias outras ocasiões sacrossantas, como os címbalos dionisíacos, lançou-lhe em uma teia reflexiva.
 Desde sua juventude aceitava subservientemente a dose semanal de ração espiritual oferecida por aquelas respeitáveis figuras de branco. Sentia-se bem com isso.Bem até o dia seguinte, quando o Caos tomava forma agressiva e investia. Com isso, entrava em erupção, um Vesúvio que não poupava qualquer pessoa – exceto as figuras de branco, curiosamente. Estariam elas protegidas por um pálio divino?
 Lera o livro dito “livro das verdades”. Incontestável. Quem duvidaria, por exemplo, que aqueles puros ascendiam ao Paraíso (ou deveria dizer Elísios?) enquanto os condenados passariam a eternidade nas profundezas?Mas claro, sempre haveria o constante perdão do Deus não vingativo, concedido pelas importantes figuras de branco.
 E ainda havia outras questões nas quais as figuras brancas figuravam como protagonistas. Idade Média. Medo. Erros improváveis da Instituição. Medo. Pragmatismos imutáveis, pensados para o bem de todos. Medo.
 Mas havia a questão. Na realidade, por quem os sinos dobrariam? Pela divina figura da bondade e amor ou às terrenas figuras de branco?

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